domingo, 9 de maio de 2010

"Eu me dôo o tempo todo"


Diálogo entre Glória e Macabéa, em A hora da estrela (Clarice Lispector):

- Por que é que você me pede tanta aspirina? Não estou reclamando, embora isso me custe dinheiro.

- É para eu não me doer.

- Como é que é? Hein? Você se dói?

- Eu me dôo o tempo todo.

- Aonde?

- Dentro, não sei explicar.

Eu me dôo o tempo todo... E não há aspirina que alivie essa dor. A dor de viver. Acho que tenho dores de cabeça desde que nasci. Já ouvi muitas explicações sobre suas possíveis causas. Uma delas, de que a dor serve para não pensar. No meu caso, não faz efeito. Não faz com que eu pare de pensar, nem pare de sentir. Apenas faz com que eu me doa. Viver dói, desde o momento em que nascemos. Nossos olhos doem, até que se acostumem com a luz; nossos ouvidos doem, até que se acostumem com os sons; nosso pulmão dói, até que se acostume com o ato de respirar. Todos os nossos órgãos precisam se acostumar a funcionar, e doem muito até que o processo se complete. Mas há algo, lá dentro, que não pára de doer nunca. A dor da alma... E não há anti-depressivo, ansiolítico, nada que dê jeito. Talvez eu mesma seja responsável por essa dor. Porque, em algum momento, decidi viver com intensidade e, após tomada essa decisão, nunca mais pude voltar atrás. Não há atalho que me leve ao leve caminho do não-doer. Porque esse seria o não viver. Comigo, não funciona...

Um comentário:

  1. querida lady masock,
    esse texto me emocionou de uma forma que eu não esperava, tal a profundidade e a qualidade de sua expressão, me fez sentir o quanto somos vulneráveis e tão parecidos em nossa humanidade.
    Muito obrigada.
    Beijo,
    maria

    ResponderExcluir