quarta-feira, 30 de junho de 2010

2 em 1 (Clarice Lispector)


1 => "Sou o que se chama de pessoa impulsiva. Como descrever? Acho que assim: vem-me uma idéia ou um sentimento e eu, em vez de refletir sobre o que me veio, ajo quase que imediatamente. O resultado tem sido meio a meio: às vezes acontece que agi sob uma intuição dessas que não falham, às vezes erro completamente, o que prova que não se tratava de intuição, mas de simples infantilidade. Trata-se de saber se devo prosseguir nos meus impulsos. E até que ponto posso controlá-los. [...] Deverei continuar a acertar e a errar, aceitando os resultados resignadamente? Ou devo lutar e tornar-me uma pessoa mais adulta? E também tenho medo de tornar-me adulta demais: eu perderia um dos prazeres do que é um jogo infantil, do que tantas vezes é uma alegria pura. Vou pensar no assunto. E certamente o resultado ainda virá sob a forma de um impulso. Não sou madura bastante ainda. Ou nunca serei."
Clarice Lispector


2 => "Existe um ser que mora dentro de mim como se fosse casa dele, e é. Trata-se de um cavalo preto e lustroso que apesar de inteiramente selvagem, pois nunca morou antes em ninguém, nem jamais lhe puseram redeas nem sela – apesar de inteiramente selvagem tem por isso mesmo uma doçura primeira de quem não tem medo: come as vezes em minha mão. Seu focinho é úmido e fresco. Eu beijo o seu focinho. Quando eu morrer, o cavalo preto ficará sem casa e vai sofrer muito. A menos que ele escolha outra casa e que esta outra casa não tenha medo daquilo que é ao mesmo tempo selvagem e suave. Aviso que ele não tem nome: basta chamá-lo e se acerta com seu nome. Ou não se acerta, mas, uma vez chamado com doçura e autoridade, ele vai. Se ele fareja e sente que um corpo-casa é livre, ele trota sem ruídos e vai. Aviso também que não se deve temer o seu relinchar: a gente se engana e pensa que é a gente mesma que está relinchando de prazer ou de cólera, a gente se assusta com o excesso de doçura do que é isto pela primeira vez."
Clarice Lispector

terça-feira, 29 de junho de 2010

Trecho do livro: Cem Anos De Solidão (Gabriel Garcia Márquez)


" - Porra! – gritou.
Amaranta, que começava a colocar a roupa no baú,
pensou que ela tinha sido picada por um escorpião.
- Onde está? – perguntou alarmada.
- O quê?
- O animal! – esclareceu Amaranta.


Ursula pôs o dedo no coração.
- Aqui – disse. "

quinta-feira, 3 de junho de 2010

3 em 1 (Fernanda Young)

1 => “Mulheres são assim depressivas. Pois transformam simples vontades em necessidades vitais e, diante de uma transitória impossibilidade, distorcem as sensações até torná-las insuportáveis. Uma espécie de TPM zodiacal, algo meio físico, meio metafísico, energético, quem sabe, bioquímico, com certeza, que lhes ataca as idéias, enlouquecendo-as. E, por uns segundos, ela pensa em se jogar na frente de uma Kombi que está vindo.”
Fernanda Young


2 => "Eu vinha crente que não precisava mais disso. Disso: caneta, papel, calmante e pijama. Dancei muitas músicas e ri de mim mesma. Aquela que se repete. Eu. Eu mesma: corpo e cabeça cheia de cabelos. Meu cérebro está empapado, do tamanho de uma barata. Quando vou ao banheiro e olho-me no espelho. Quase acredito ser uma boa atriz. É tudo mentira! Um batom, um perfume e vestidos me levariam ao shopping. A um bar. A um beijo. O problema é que quero muitas coisas simples, então pareço exigente. O problema é que sou tola e carente, mas não me deixo enganar, se eu pudesse pedir um só pedido seria: pára! Pára esse carro em minha cabeça! Quero descer, estacionar, bater num poste. Não mais delirar, nem sentir no corpo esse seguir sem descanso, atrás de sutilezas que não podem ser descritas."
Fernanda Young


3 => "Sabe qual é o meu sonho secreto? Que um dia VOCÊ perceba que poderia ter aproveitado melhor a minha companhia (…) E eu me limito a me surpreender com as circunstâncias da vida que me levaram a viver esse papel: o da mulher que quer mais um pouquinho. Constrange-me existir nesse personagem Chico Buarque, dolorida, bonita sendo assim, meio tonta, meio insistente, até meio chata. E que fique claro que não é por estar VOCÊ dessa forma, tão esquivo, que O desejo tanto. Desejo-O porque desejo. Estúpida. Latina. Bethânia. Ainda creio que VOCÊ, quando eu menos esperar, possa me chegar com um verso em atitude."
Fernanda Young